Igualdade, direitos humanos e produção judicial: o cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas no processo penal
Abstract
A presente pesquisa acadêmica busca demonstrar a compatibilidade do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas, um procedimento essencialmente do processo civil, com os processos seriais
criminais, sob o prisma do princípio da igualdade enquanto legítimo direito humano. Essa proposta parte
do intento de alcançar a minimização do cenário anti-isonômico no meio jurídico pátrio que gera
evidentes prejuízos aos jurisdicionados, como intranquilidade social, fragmentação do sistema e
descrédito do Poder Judiciário. A cultura demandista, cujo crescimento fora alavancado nas últimas
décadas, em quantidade superior àquela suportada pelo Poder Judiciário, projetou uma externalidade
negativa das produções judiciais, reverberando especialmente na oferta de resposta rápida e massificada
(fast track processual). Esse cenário desfavorece o exame acurado e criterioso das lides judicializadas e
abre espaço para a ocorrência de arbitrariedades, dando margem a uma produção judiciária igualmente
massiva e de conteúdo dispersivo, descompromissada com o ideal de unidade exegética, imprescindível
à solidificação da segurança jurídica e tratamento isonômico dos jurisdicionados, especialmente em
processos penais cuja tratativa incidirá necessariamente no direito à liberdade dos indivíduos.
Apresenta-se, desta forma, um diálogo entre o processo civil e penal e os diplomas internacionais que
consagram a igualdade como um direito universal, inerente a todos os seres humanos, assim como a
premissa de igualdade de todos perante a lei, proclamada constitucionalmente no Brasil. Uma
hermenêutica desse mencionado dispositivo transcende a ideia de isonomia confinada à norma legislada,
de eficácia abstrata e impessoal, e estende-se a norma judicada, originada através da submissão ao crivo
e interpretação do judiciário, pois a práxis brasileira revela um panorama no qual essa nuance do direito
à igualdade não resta plenamente assegurada, ensejando o deletério tratamento desigual a situações
iguais, mormente nos casos que envolve mesma questão de direito, como ocorre nas demandas seriais e
processos isomórficos. A solução para essa questão transita pelos dois grandes grupos de ordenamento
jurídicos ocidentais oriundos do direito romano, sendo o common law, aderido pelos países de tradição
precedentalista, e o civil law, agregado aos países da família romano-germânica, cujo perfil é de matriz
positivada, como no caso do Brasil. Isso porque o CPC/2015, com vistas a combater o ambiente de
dispersão excessiva da jurisprudência que gradualmente fora instalado nos tribunais pátrios, ofertou
técnicas e instrumentos idôneos que prestigiam os precedentes judiciais e potencializam sua eficácia,
objetivando a preservação da unidade interpretativa do Direito. Dentre estes meios processuais,
sobreleva-se atenção ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e seus pressupostos – “efetiva
repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, risco
de ofensa à isonomia e à segurança jurídica” – pois consagram força vinculativa ao acórdão proferido,
de modo que a tese jurídica através dele fixada projetará eficácia vertical e horizontal em face dos órgãos
jurisdicionais e, além disto, irradiará aos casos futuros que tratem da mesma questão de direito. Essa
notável eficácia expansiva da tese jurídica firmada em IRDR ocupa posição destacada, neste ensaio
teórico, no espectro do esforço geral contra as produções judiciais plurívocas que afetam garantias dos
indivíduos que protagonizam o papel de réu no processo penal. Apresenta-se como vetor de
interpretação normativa a partir da instauração deste incidente em seara criminal o princípio do favor
rei ou favor libertatis, de modo que nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, mas
se conclua pela possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma norma legal (antinomia
interpretativa), a obrigação seja escolher a interpretação mais favorável ao réu. Nesta perspectiva,
enfatiza-se o direito humano à isonomia, o qual deve figurar como diretriz material das decisões
judiciais.