Outros (UNIT-PE_BIO)https://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/handle/set/1182024-03-29T02:33:41Z2024-03-29T02:33:41ZLancan ainda: testemunho de uma análiseMILAN, Bettyhttps://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/handle/set/70242024-02-22T03:01:13Z2021-01-01T00:00:00ZLancan ainda: testemunho de uma análise
MILAN, Betty
FIZ ANÁLISE COM LACAN nos anos 1970. Na época, um editor francês me pediu que escrevesse sobre ela. O sobre me
assustou e eu não consegui. Não tinha a distância suficiente para dar meu testemunho. A transferência era grande
demais. Precisamente por isso, escrevi um romance, O Papagaio e o Doutor, cuja heroína rememora a sua história
com um analista de quem ela quer se separar. Quatro décadas depois, fui tomada pelo desejo de voltar ao número
5 da Rue de Lille, onde, entre outras coisas, eu aprendi a valorizar o momento oportuno.
A análise com Lacan não me curou definitivamente da angústia, mas mudou a minha vida. Me permitiu aceitar as
minhas origens, o meu sexo biológico e me tornar mãe. Isso, por um lado, aconteceu graças ao interesse real dele pela
mudança. Por outro, graças à maneira como trabalhava e que, ainda hoje, causa indignação. Vou focalizar essa
maneira de trabalhar, me debruçando sobre a análise que eu fiz com ele. Mas antes quero dar um exemplo muito
significativo. Recentemente, num grupo de intelectuais, um deles manifestou sua indignação ante uma das sessões de
um conhecido que fizera análise com Lacan na década de 1960.
Despercebidamente, o conhecido, que já estava no divã, passou do francês para o português sem que Lacan
interviesse. Deixou o analisando falar, durante um bom tempo, sem compreender o que ele dizia e, de repente,
levantou cortando a sessão com Até a próxima. Como nada do que foi dito podia ser interpretado, é forçoso concluir
que, para Lacan, a passagem inesperada do francês para o português importava mais do que o significado do discurso
do analisando.
Quem sabe da importância da língua para Lacan, à qual ele se referia falando do “tesouro da língua”, não estranha
isso. Mas pode se perguntar de que serviu a sessão. O silêncio do Doutor, seguido do corte abrupto, serviu para
reconhecer o desejo do analisando, o de falar na língua materna, dando assim sentido à ideia de que o desejo é o
desejo de reconhecimento.
2021-01-01T00:00:00Z